A Vila da Pedra

Delmiro Augusto da Cruz Gouveia chegou nestas terras em 1902 ,vindo fugido de Recife-PE, após ter criado desavenças políticas e comerciais com os pernambucanos . Para piorar a situação, Delmiro trouxe consigo uma moça, Carmélia Eulina, que veio a ser sua segunda esposa, com apenas dezesseis anos de idade, e a contragosto de seus pais, pois não aceitavam a união do casal, já que se tratava de um homem recém separado e arruinado em suas finanças.

Gouveia partiu do porto de Recife-PE em navio a vapor até Penedo-AL, pegou uma segunda embarcação até Piranhas-AL e lá seguiu viagem de trem com destino à estação da Pedra, no povoado de mesmo nome, pertencente ao então município de Água Branca-AL.

“Quando Delmiro chegou, Naquele triste lugar, Aquilo era um deserto de ninguém querer morar, Não tinha casa nem gente, Nem estrada para passar. Terra de pedra e de espinho, Macambira rasteira, Naquele sertão medonho só se ouvia a vida inteira, O ronco do canguçu e o ronco da cachoeira.”

Raimundo Pelado,
Poeta Popular

O casal ficou hospedado por cinco meses na casa de um político influente das Alagoas, o então senador Ulisses Luna, os quais, tempo depois, passam a ser compadres, já que Delmiro foi padrinho do seu filho Ulisses Luna Júnior. E, em março de 1903, Delmiro e sua jovem esposa fixam residência no povoado Pedra. É aqui, nesse pequeno vilarejo de meia dúzia de casas de taipas e de gente de pouca instrução a época que, o até então falido “rei das peles” retoma seus negócios fazendo aquilo de que mais entendia, negociar com couros de animais, sobretudo, ovinos e caprinos.

O sucesso veio rápido e em poucos anos o visionário do Nordeste reergue sua fortuna e volta a brilhar no mundo dos negócios. Empreendedor por natureza, Delmiro modifica o cenário de aridez da região por meio do Rio São Francisco: bombeou as águas do rio por mais de vinte quilômetros até o povoado Pedra. Além disso, implantou um sistema de irrigação para a produção agrícola local. Desse modo, a minúscula povoação passa por mudanças nunca antes vistas, tanto do ponto de vista arquitetônico como social. Frente às seis casinhas nascem sete ruas estrategicamente projetadas e com finalidade certa, serem as novas moradias dos operários da fábrica de linhas do senhor Delmiro Gouveia, o industrial, o pioneiro da eletrificação do Nordeste, nome esse que entrou para a história do nosso país como um dos maiores empreendedores do Brasil, quiçá do mundo.

A vila operária, com sete ruas, foi construída em torno da fábrica. As moradias eram de alvenaria, sendo que, até então, essas pessoas só tinham morado em edificações de taipas. A nova povoação dispunha gratuitamente de água encanada, energia elétrica, saneamento básico, escola, creche, assistência médica e odontológica, cassino, cinema, clube de festas, pista de patinação, campo de futebol, quartel, fábrica de gelo, garagem, lavanderias, grandes armazéns de depósito e 258 casas.

A organização social foi estruturada sob regras pré-definidas e implantadas pelo próprio Delmiro que fazia questão de aplicar penalidades quando julgava necessário, a fim de servir de exemplo aos outros habitantes. Porém, havia também a premiação aos bem disciplinados, como: enxoval para quem ia se casar e para os bebês que iam nascer, etc.

Vale ressaltar que, o empreendedor dos sertões deu mais do que um lugar digno para seus empregados viverem. Cuidou de instruí-los em sua capacitação profissional, exigência da lei trabalhista dos tempos atuais. Além disso, também tratou de submetê-los a novos costumes de convivência, onde o ritmo imprimido vinha das regras estabelecidas pelo próprio coronel Delmiro Gouveia, tais como: festas só com a autorização do patrão, a feira-livre tinha hora para começar e hora para terminar, se “avançasse o sinal” no namoro tinha que se casar, e daí por diante.

A comunidade da Pedra, aos poucos, ia se modificando em praticamente tudo. O modo de vida dos moradores mudou até no jeito de se orientar. Sertanejos que, antes, se orientavam pela natureza. Tais como: pelos cânticos dos pássaros para se acordar, pela réstia do sol, pela lua, pelo ronco do jumento e etc. A partir da chegada do Delmiro nessas terras, o projeto de civilização implantado por ele passou a ser a cartilha que todos deviam seguir. Assim, passaram a se orientar pelo apito da fábrica que chamava os funcionários para cumprir a carga horária de oito horas diárias em três turnos; manhã, tarde e noite, pois, para garantir a produção desejada, funcionava vinte e quatro horas por dia.

E as mudanças não pararam por aí. Higiene, aparência e vestimenta eram quesitos importantes no governo da vila operária. Para tanto, havia os inspetores que tinham como missão garantir que nenhum funcionário da fábrica andasse maltrapilha. Relatam alguns familiares de ex-funcionários do Delmiro que, muitas vezes, era ele próprio quem fazia a inspeção.

Sobre os direitos dos empregados, diziam os mesmos depoentes, que o modernizador dos sertões inspirava confiança, era um homem de palavra, cumpridor de suas obrigações e que gostava da verdade.

Com relação à educação dos familiares dos operários da fábrica, o Coronel deu escola e material para quem quis estudar. Ele pensou ainda em medidas para incentivar o aprendizado e minimizar a evasão escolar, tal como: o ingresso para o cinema era a partir da nota positiva do boletim.

Com relação a religiosidade, o pioneiro da eletrificação do Nordeste deixou todos à vontade. Apenas não incentivou, pois não construiu templo algum. Um ano depois de sua morte, em 1918, a localidade ganhou uma igreja de culto católico construída a pedido da esposa do sócio do Delmiro, Lionelo Iona.

A economia do povoado era quase que totalmente voltada para a indústria. Poucos se aventuravam na agricultura e pecuária de subsistência. Sabe-se que alguns passaram a trabalhar com a cultura de algodão para vender para a fábrica de linhas, já que era a principal matéria prima da indústria. Porém, a produção local não supria totalmente o consumo da empresa, tendo que comprar a matéria-prima de outros estados do Nordeste, a exemplo do Rio Grande do Norte.

“Se Delmiro vivesse mais oito anos, o Nordeste brasileiro, poderia resolver nesse espaço de tempo o seu problema de viação carril, o que será fácil demonstrar, uma vez que em cinco anos, Delmiro Gouveia construiu 520 km de estradas, assim distribuídas: 20 para Água Branca; 300 para Quebrangulo e Palmeira dos Índios, 25 para Paulo Afonso e 151 para Garanhuns-PE.”

Plínio Cavalcanti – Revista O Empreendedor.

Em 1915 foi instituída a feira-livre do povoado. Sob rígidas regras, a feira tinha hora para começar e hora para terminar, só se vendia e comprava alguma coisa quando a bandeira subia. Antes disso, nem um palito de fósforo podia se vender ou comprar. Assim também aconteciam as festas, abaixo de regras. Bebidas alcoólicas eram proibidas no dia-a-dia. Somente nos festejos se podia consumir e sem excessos, pois se exagerassem e houvesse alguma confusão eram punidos com a perda do emprego ou até mesmo expulsos da vila.

Portanto, diante do exposto, fica como aprendizado para as gerações futuras e atual, o exemplo de um homem, que um dia, entrou para a história por meio do empreendedorismo e mostrou pelos seus feitos que os nordestinos são realmente criaturas fortes em seus ideais e que não desistem ante as adversidades do caminho.